Possível mecanismo fisiopatológico que estar envolvido com depressão e perda de memória no pós-covid-19

15/12/2022 10:45:51 Author: Rodrigo Oliveira


   É bem verdade que a pandemia de covid-19 ainda nos assombra nos dias atuais. Picos de casos ainda são frequentes e todos os cuidados para não contrair a doença ainda se mantém na sociedade. Os coronavírus são grandes vírus de RNA que geralmente geram doenças respiratórias em animais e humanos (Imagem ao lado). Existem vários tipos de coronavírus, como os hCoV‐229E, OC43, NL63 e HKU1 por exemplo, que infectam humanos e podem causar doenças respiratórias leves. Uma nova variação mais letal e transmissível surgiu em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, chamado de. Desde do surgimento do SARS-CoV-2 ou COVID-19, muitos estudos têm sido realizados a fim de desvendar quais os efeitos deletérios a longo prazo da doença. Além de causar uma síndrome que atinge diretamente as funções respiratórias de forma mais grave e de evolução rápida e outros sistemas fisiológicos, alguns estudos mostram que possivelmente a COVID-19 pode promover certas alterações neurológicas que podem ou não ter relação com a piora do quadro respiratório do infectado. Dentre as alterações neurológicas, destacam-se problemas cognitivos como déficit de memória e depressão. Aqui vamos discutir um pouco sobre quais são as possíveis explicações fisiopatológicas desse déficit cognitivo relacionado à covid-19.

  Em relação às alterações neurológicas, sinais e sintomas neurológicos e psiquiátricos são relatados por  indivíduos pós covid, destacando-se: tontura, vertigem, dor de cabeça persistente, dor muscular e no corpo em geral, fadiga, dificuldades para dormir, fraqueza muscular, visão turva, ansiedade, depressão, transtornos pós-traumáticos, lapsos de memória, mudança de humor e comportamento suicida. Trabalhos estimam que 87% dos pacientes hospitalizados com Covid-19 continuam a ter sintomas 60 dias após o início da doença. Esses sintomas também podem aparecer ou persistir em pacientes não graves que não necessitam de algum respaldo hospitalar, tendo uma incidência alta nesses casos. Dentre todos esses sintomas, se destacam os distúrbios cognitivos, que são apresentados por uma porcentagem alta entre os indivíduos pós-covid(0imagem abaixo, principalmente os lapsos de memória e depressão e ansiedade tanto em indivíduos saudáveis quanto em indivíduos já predispostos. Após as pandemias de coronavírus em 2020 e 2021, um em cada cinco indivíduos recuperados relatou comprometimento da memória. Habilidades cognitivas prejudicadas podem causar resultados ocupacionais e funcionais ruins para indivíduos recuperados do COVID-19 que precipitam ou exacerbam problemas de saúde mental, e a saúde mental precária também pode contribuir para a disfunção cognitiva. 

 
    Nesse contexto, vários estudos buscaram as possíveis explicações fisiopatológicas que estão relacionadas a esses déficits neurológicos. Trabalhos mostraram que o SARS-CoV-2 pode invadir o sistema nervoso central, sendo encontrado exclusivamente em neurônios do cérebro, desencadeando cascatas de citocinas  inflamatórias que por sua vez causam danos neuronais. Outros trabalhos realizados  em humanos no qual a morte foi decorrente do coronavirus,  foi observado na tomografia, isquemia, necrose e edema cerebral (Indicado nas setas brancas da figura ao lado) em áreas difusas infectadas pelo vírus, possivelmente decorrente de encefalite (presença de processo inflamatório do tecido cerebral). Além disso, quando esse mesmo tipo de coronavírus foi administrado para induzir a infecção nos animais por via intranasal, ele pode ser encontrado nas principais áreas do tronco encefálico responsáveis pelo controle respiratório. Também foi encontrado a presença de atividade eletroencefalográfica (EEG) anormal em  96,1% de pacientes com SARS-CoV-2 grave, associado a um estado mental alterado e a sintomas como febre, hipóxia e sedação, sugerindo possível encefalopatia. Dentre essas mudanças eletroencefalográficas encontradas, foi observado uma desaceleração da atividade elétrica cerebral associado a padrões de ondas lentas focais agudas no quadrante frontal, central e posterior direito, além padrões epileptiformes como descargas periódicas generalizadas e multifocais.

    Já em relação ao déficit cognitivo relacionado à memória e depressão, um recente estudo identificou a presença de material genético do sars-cov-2 no cérebro com focos de infecção , além de neurônios, nos astrócitos. O astrócito  é um tipo de célula da glia responsável pela função de defesa, participando ativamente do processo de cicatrização glial após lesão do tecido. Além disso, o astrócito também possui  um papel de regulação da concentração de diversas substâncias com potencial para interferir nas funções neuronais normais, participando ativamente do processo de nutrição neuronal e consequentemente da homeostase neuronal. O estudo mostrou que alguns pacientes tinham alterações no cérebro que indicavam lesão tecidual celular devido a infecção e que as células mais infectadas dos pacientes foram os astrócitos.  O SARS-CoV-2 invade as células epiteliais respiratórias e gastrointestinais ligando-se a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) (imagem abaixo) na membrana celular, que é expressa no cérebro, tanto nos neurônios quanto nos astrócitos. Quando o vírus entra nos astrócitos, ele causa uma alteração metabólica e induz essa célula a produzir substâncias neurotóxicas que destroem os neurônios. Já a entrada viral nos neurônios pode criar um insulto citotóxico e iniciar vias apoptóticas ou criar um desequilíbrio excitatório-inibitório. Já se postulou que esta via desempenha um papel em várias doenças neurodegenerativas, incluindo Doença de Alzheimer e Doença de Parkinson. Uma infiltração lenta em todo o sistema nervoso central pode precipitar patologias subjacentes associadas a distúrbios neurodegenerativos relacionados à idade. 
 
 
     Os pesquisadores ainda observaram que, em pacientes com covid-19 moderada, houve perda da massa encefálica em algumas regiões específicas do cérebro, e essa perda está correlacionada com diminuição de capacidade em testes de memória e de emoções, além de um aumento dos quadros de ansiedade (Imagem abaixo). Isso pode se dá pois células endoteliais vasculares cerebrais que também expressam ACE2 são atingidas, levando potencialmente a uma maior deterioração dessa arquitetura vascular. Isso leva a uma hipoperfusão que restringe os substratos energéticos essenciais para a manutenção das redes neuronais, acelerando assim o declínio cognitivo.

 


Desenho experimental

     De acordo com tudo que foi visto, é importante investigarmos mais repercussões neurofisiológicas cognitivas mais sólidas relacionadas a covid-19, sendo imprescindível esclarecer se essas alterações inflamatórias possuem realmente um relação direta com desempenho neurofuncional cognitivo relacionado com a memória e depressão. Como vimos, o EEG e o NIRS podem ser ferramentas importantes para se investigar alterações da atividade elétrica cerebral, onde tal atividade pode possuir alterações relacionadas a Covid-19. Dessa forma, se atribuímos uma avaliação eletroencefalográfica associada a uma avaliação mnemônica e de aspectos emocionais e até mesmo de marcadores inflamatórios em grupos de indivíduos após covid-19, podemos constatar resultados mais sólidos relacionados a atividade cerebral funcional e aspectos cognitivos e inflamatórios da covid-19. Para isso, é importante avaliar desde indivíduos que tiveram sintomas leves ou até casos mais graves, no intuito de observar alguma correlação entre os indivíduos desses grupos e os sintomas apresentados após saída hospitalar. Em relação aos níveis de gravidade da Covid-19,  os indivíduos podem ser classificados de acordo com a complexidade de sinais e sintomas no período prévio de internação hospitalar ou de apenas detecção da doença, podendo ser classificado como: assintomáticos, sintomático leve a moderado, sintomático grave e sintomático crítico. Importante ressaltar novamente que a avaliação apenas será realizada em pacientes com sinais e sintomas neurológicos e psiquiátricos persistentes após covid-19, ou seja, quando o vírus não está sendo detectado. Indivíduos que apresentaram quadro de covid-19 mas não possuem nenhum tipo de sintomas pós-covid-19, podem ser utilizados como grupo controle. Dessa forma, após a confirmação de infecção por Covid-19  prévia por meio do teste de sorologia, os indivíduos podem ser alocados em 5 grupos referentes aos graus de gravidade de sintomas durante o estágio de incubação e atividade do vírus (assintomático (G1), sintomático leve a moderado (G2), grave (G3) ou crítico (G4)) e o grupo de indivíduos que apresentaram histórico de covid-19 prévio mas não possuem nenhum tipo de sintomas neurológico atual (grupo controle (G5)). Após 30 a 60 dias da alta hospitalar e não mais detecção do covid-19, todos os indivíduos  poderiam realizar constantes avaliações funcionais relacionadas a déficit de memória (através de testes de memória verbal episódica, como o subteste de memória lógica, recordação imediata e tardia e Escala de Memória Wechsler) e a depressão (avaliação emocional cognitiva) associado a avaliação eletroencefalográfica e hemodinâmica durante toda a evolução dos sintomas diante de suas melhoras ou pioras (Imagem abaixo).  Em relação ao EEG, seria direcionado a investigações de padrões eletroencefalográficos como desaceleração generalizada, descargas periódicas generalizadas, descargas periódicas lateralizadas, atividade delta rítmica generalizada , atividade delta rítmica lateralizada, descargas epileptiformes ou qualquer outro padrão que caracterize o EEG anormal, sempre correlacionando com o histórico de evolução dos sintomas. Um fator importante é descartar a presença de doença neurológica preexistente ou qualquer outra alteração fisiológica que possa levar a alteração do EEG. Dessa forma, com a investigações dos parâmetros eletrofisiológicos e funcionais durante toda a evolução dos sintomas neurológicos e psiquiátricos da covid-19, será possível direcionar futuras pesquisas que busquem potenciais terapêuticos relacionados aos efeitos deletérios causados ao sistema nervoso pela doença a longo prazo. 
 



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Autor: Rodrigo Oliveira
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