Rodrigo Oliveira
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O filme Avatar e o "Mind uploading": é possível transferir consciência?



   "Avatar" é uma franquia de filmes iniciada em 2009, escrita e dirigida por James Cameron, que tem sua continuação "Avatar 2: caminho da água" (assista o trailer no vídeo abaixo), lançada em dezembro de 2022. Avatar é um filme de ficção científica  que tem seu enredo desenvolvido no ano de 2154 e é baseado em um conflito em uma das luas de Polifemo chamada "Pandora", um dos três planetas gasosos fictícios que orbitam o sistema Alpha Centauri. Os humanos colonizaram Pandora e têm vários conflitos pelos recursos do planeta com os Na'vi (os nativos humanóides da região) que lutam pela continuação da existência da espécie nativa. Nesse contexto, através da engenharia genética os humanos conseguem criar híbridos Na'vi-humanos, nos quais transferem a consciência do homem para controlar o ser híbrido, um avatar (daí o nome do filme) com intuito de se infiltrar e interagir com os nativos para facilitar o processo de colonização. Além de se tratar de um bom filme que aborda temas relevantes importantes para um reflexão social, como o processo violento de colonização, exploração excessiva de recursos naturais e imposições culturais por parte dos colonizadores sobre os nativos, que podem ser comparadas com o que ocorreu no passado durante a colonização da américa por exemplo, também conseguimos refletir sobre algo tão interessante quanto, como é o caso da capacidade de controlar um avatar por meio de uma espécie de "migração de consciência" em tempo real (Imagem abaixo). Dessa forma, aqui, vamos discutir um pouco se isso realmente é possível (sem nenhum tipo de sensacionalismo) e se estamos perto de transformar essa ficção em realidade.



  Para iniciarmos esse debate precisamos conhecer o que é "Mind uploading", também conhecido como emulação total do cérebro ou "whole brain emulation" (WBE), que é o processo futurista hipotético de mapeamento da estrutura física do cérebro com precisão suficiente para criar uma emulação do estado mental (incluindo a memória de longo prazo e o autoconhecimento consciente) e copiá-lo para um computador. O computador poderia então executar uma simulação do processamento de informações do cérebro de forma indistinguível do cérebro original de forma consciente e senciente. Mas qual é realmente a finalidade para se aplicar um Mind uploading? Bem, a nível mais palpável, seria interessante para essa tecnologia ser desenvolvida para auxiliar ou dar funcionalidade a um corpo de acometido por acidente ou patologia, transferindo para um máquina ou  híbrido funcional, assim como acontece no filme Avatar, onde um dos soldados é paraplégico e volta a andar a partir da transferência de suas consciência. Outras aplicações como imortalidade, uso militar e até mesmo exploração espacial (visto que seria mais fácil investigar outros planetas sem sofrer os efeitos adversos do espaço) também são conjecturais.  Apesar de ainda não ser realidade, pesquisas já estão sendo realizadas na tentativa de uma possível utilização dessa ferramenta. Essas pesquisas se concentram principalmente em torno do mapeamento funcional cerebral detalhado e  simulação do cérebro animal, ambos associados ao desenvolvimento de supercomputadores, realidade virtual, robótica e neuroengenharia. Atualmente existem diversas técnicas não invasivas de mapeamento da atividade cerebral, como Espectroscopia funcional de infravermelho próximo (fNIRS), eletroencefalograma (EEG) e ressonância magnética funcional (fMRI) (imaagem ao lado),  dentre outras. Porém, técnicas invasivas como a implante de micro-eletrodos intracerebrais para aquisição de spikes neuronais, ainda é considerada a técnica que oferece um sinal bem mais específico e detalhado (a nível neuronal), o que seria interessante para um mapeamento cerebral maximamente acurado, porém possui limitações de instabilidade do sinal a longo prazo além de possuir limitada capacidade de registro espacial, visto a inviabilidade de implantar diversos eletrodos invasivos por todo cérebro. Para que exista uma possível forma de adquirir esses dados , dependemos totalmente do avanço tecnológico e a criação de novas formas de aquisição da atividade cerebral de prefer6encia de forma não invasiva, como uma espécie de scanner de alta eficiência serão capazes de atingir níveis moleculares e dessa maneira identificar as redes neurais que constituem o cérebro humano, podendo recriá-la assim por meio de redes neurais artificiais. 


     Discutindo quais barreiras temos no meio científico atual para a aquisição do sinal cerebral detalhado, vamos focar agora na transferência de informações. Assim como acontece nas interfaces cérebro-máquinas, o sinal cerebral adquirido é amplificado, classificado e processado. Porém, diferente das interfaces cérebro-máquinas, esse sinal seria armazenado e codificado de acordo com todos os dados gerados do cérebro original. Teoricamente existe uma potencial forma de se realizar a transferência de dados mentais, no qual o cérebro e suas funções seriam copiadas e armazenadas num modelo 3D de simulação dessas mesmas funções, assim como a atividade neuronal e suas conexões nas áreas tridimensionais de um cérebro. Atualmente, programas de pesquisa buscam esse feito, como é o caso do "programa 2045", que visa fazer o upload do próprio cérebro para um avatar holográfico. O programa foi criado em 2011 e tem planejamento de desenvolver quatro tipos de avatares ao longo dos anos. O primeiro deles, o Avatar A,  já foi alcançado, seria um avatar controlado por interface cérebro-máquina. O avatar B (2020-2025) é o projeto no qual o cérebro humano será transplantado para um corpo cibernético após a morte biológica do indivíduo. O Avatar C (2030-2035) tem como objetivo implantar um cérebro artificial no corpo cibernético. E por fim, o Avatar D (2040-2045) será a criação de um Avatar na forma holográfica. 


   Até agora falamos sobre a interação da consciência entre o homem e uma máquina, diferentemente do que acontece no filme avatar, onde o homem controla conscientemente um ser híbrido. Mas o que a neurociência tem a dizer sobre isso? É possível então compartilhar informações entre dois cérebros? É aí que entra a interface cérebro-cérebro.  A Interface cérebro-cérebro é um método que envolve aquisição, processamento e envio de sinal neural de um cérebro para outro, diferente da interface cérebro-máquina que envia o sinal a um equipamento eletrônico. Um estudo mostrou que um animal presente no Brasil com microeletrodos implantados no córtex somatosensorial foi submetido ao treinamento de descriminicão tátil. Esse animal aprendeu a tarefa em cerca de 3 semanas. O sinal eletrofisiológico desse animal foi captado durante essa tarefa, convertido em padrões de microestimulação e foi enviado para outro animal que possuía os mesmos eletrodos implantados nas mesmas regiões nos Estados Unidos (Imagem abaixo). Após a eletroestimulação de acordo com os padrões eletrofisiológicos do cérebro do animal aqui do Brasil, o animal dos EUA demonstrou um aprendizado mais rápido da tarefa de descriminacão tátil.  Apesar dos estudos ainda se encontrarem no campo da pesquisa básica, podemos pensar várias aplicações futuras para essa técnica. Das aplicações, pode envolver a facilitação da aprendizagem um cérebro com dificuldade desses aspectos, e até mesmo o envio de informações de um hemisfério cerebral fisiologicamente normal para outro hemisfério afetado devido algum distúrbio fisiológico ou patológico, visando restaurar suas funções.

    Sabendo de tudo isso, talvez a maior barreira a ser enfrentada para o desenvolvimento de tal método, é a própria consciência. A consciência humana ainda não é compreendida pela ciência.  A consciência é algo ainda difícil de se definir e de ser estudada e tem sido bastante pesquisada nas áreas de filosofia da mente, na psicologia, neurologia e ciência cognitiva. A consciência é uma qualidade da mente, considerando abranger qualificações tais como subjetividade, autoconsciência, sentiência, sapiência, e a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente. Existem dois tipos de consciência, a primária e a secundária. A consciência primária está presente em todos os animais, é aquela na qual, por repetição, vamos adquirindo memória de eventos específicos e assim sendo conscientes sobre determinados eventos, a citar,  situações de perigo que envolve resposta rápida de luta ou fuga. Por sua vez, a consciência secundária está presente apenas em humanos. Este tipo de consciência é aquela na qual nos questionamos sobre a existência do nosso próprio eu e nos permite sermos criativos. Sabendo de toda essa complexidade e subjetividade em torno da definição de consciência, talvez a grande dificuldade seja identificar os padrões cerebrais em torno da consciência, visto que ela não é composta apenas de memórias, que seriam um dado "mais simples" de identificar, um padrão mais contínuo. Resumindo: ainda estamos longe de alcançar um Mind uploading, mas a pergunta que fica é se esses uploads terão consciência e se realmente preservará a identidade pessoal do cérebro original, bem como o impacto na sociedade que uma tecnologia de upload em funcionamento provavelmente terá e se esses impactos são desejáveis. A questão de saber se devemos avançar para a tecnologia de upload permanece tão obscura como sempre. Resta-nos a ficção científica de avatar, e esperar que tal tecnologia não seja utilizada para propósitos nocivos, assim como é mostrado no filme.


Referências
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https://www.nbcnews.com/mach/tech/your-brain-cloud-how-tech-world-wants-disrupt-death-ncna894191


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Jackson Cionek

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