A consciência é algo ainda difícil de se definir e de ser estudada e tem sido bastante pesquisada nas áreas de filosofia da mente, na psicologia, neurologia e ciência cognitiva. A consciência é uma qualidade da mente, considerando abranger qualificações tais como subjetividade, autoconsciência, sentiência, sapiência, e a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente. A consciência pode ser vista como o conjunto dos dados da experiência individual que se oferece ao conhecimento imediato. Essas experiências individuais a tornam um alvo de pesquisas neurocientíficas para entender como elas podem ser processadas no nosso cérebro, observando o seu conteúdo consciente e autoconsciente. Essa percepção individual engloba principalmente modos particulares de se perceber diversas sensações que sentimos em nosso dia-a-dia. Nesse contexto, surge a definição de sentiência ,  que é a capacidade de se ter experiência de sensações básicas /sentimentos como fome e sede, calor e frio, é um fenômeno psicobiológico, envolvendo padrões dinâmicos de ondas eletroquímicas em sistemas vivos. Aqui, vamos discutir um pouco sobre os aspectos neurofisiológicos da consciência e sentiência . 


   Em relação aos aspectos sentientes, como falado anteriormente, as experiências conscientes, na perspectiva de primeira pessoa, podem ser afetivas/emocionais, cognitivas e/ou relacionadas ao comportamento. Em todas estas modalidades, tais experiências comportam estados qualitativos. Para os seres humanos, há uma conexão dessas qualidades subjetivas com cada experiência individual, ou seja, únicas para cada indivíduo. Por exemplo, um acorde menor na harmonia de uma música pode estar relacionado a um grau de melancolia na mente de quem a ouve. Outro exemplo prático pode ser determinadas situações específicas que desencadeiam sensações diferentes para cada pessoa, como a resposta ao medo e a própria dor.  Em resumo, os padrões geradores  de sensações conscientes são universais, enquanto as expressões experienciais conscientes seriam singulares. Segundo o princípio da "capacidade limitada" a consciência organiza-se em um fluxo de funcionamento que obedece a interação dinâmica de padrões cerebrais pré-conscientes e conscientes experimentais. Os padrões pré-conscientes funcionam em uma espécie de plano de fundo, possuindo uma interação com engramas de memória inconsciente, fornecendo uma "consciência prévia" e dessa forma possuindo uma ligação mais direta com setiência. Já os padrões conscientes experimentais fazem parte da aquisição de dados conscientes e relacionando-os ou não com os dados prévios funcionando geralmente em primeiro plano. Porém, o padrão pré-consciente pode vir a funcionar no primeiro plano e ser experimentado conscientemente, e vice-versa, atribuindo mais significados à consciência prévia e retendo para ser utilizado no futuro.


   Embora ainda não conheçamos muitas informações ainda relacionadas ao funcionamento do cérebro no contexto  da consciência, do código neural e da existência de conectividade entre áreas cerebrais, conhecemos muitos padrões específicos de funcionamento do cérebro em diferentes situações. Os estados cerebrais são padrões de disparo neural síncrono que refletem a face elétrica do cérebro. As redes neurais do cérebro podem suportar uma variedade de estados cerebrais com diferentes padrões de atividade, conectividade funcional e dinâmica. Seus estados de atividade correspondem em grande parte a diferentes níveis de consciência. Isso pode ser observado através do eletroencefalograma (EEG). O sinal captado pelos eletrodos de EEG podem fornecer uma verdadeira topografia da atividade cerebral. Em estado de repouso, essa atividade costuma se manter estável por alguns milissegundos (de 60 a 120) antes de, então, ser substituída por uma topografia diferente, o que pode ser utilizado para entender melhor como funciona a dinâmica de alternância de estados de consciência. A partir de padrões temporais que acontecem não só no cérebro como também em outros sistemas, como cardiovascular e o respiratório, são observados padrões que se correlacionam para cada tipo de "sensação", demonstrando que não apenas nosso sistema nervoso se comporta de forma sentiente (Imagem abaixo).


    Sabe-se que a consciência não é representada por algo fixo no encéfalo, mas sim, por uma atividade dinâmica coordenada e auto sustentada pelo encéfalo, em constante mudança e evolução. Em geral, dados de EEG revelam que os estados mais ativos de consciência elucidam uma atividade mais integrada e complexa entre porções distantes do encéfalo, como por exemplo ligações entre sua porção frontal e parietal, diferente de estados diminuídos de consciência, marcadamente mais simples. De forma similar, esses diferentes padrões de comunicação entre regiões distantes do encéfalo podem ser observados também no fMRI. Outro aspecto interessante da consciência/sentiência é a presença de 'culpa' ou 'vergonha' antes e depois de um ato negativo ser contemplado. Trabalhos envolvendo fMRI mostram que culpa e vergonha compartilham locais semelhantes de ativação envolvendo áreas pré-frontal, temporal e límbica, com ativação específica da amígdala e ínsula ao sentir culpa e ativação das áreas cingulada anterior e parahipocampal durante a experiência da vergonha. É possível que a culpa e a vergonha ativam o circuito reverberante descrito acima, resultando em comportamentos compulsivos.
 
  Já em relação a neurobiologia da formação de processos psicofisiológicos relacionados à consciência/sentiência ocorre uma espécie de afastamento da homeostase (perturbação) e alostase (reestabilização), nos quais acontece a formação de estados vibracionais e ondas no tecido nervoso. Além da própria atividade elétrica causada pelo potencial de ação neuronal,  essas ondas se relacionam com e dão suporte a processos perceptivos e afetivos que denotamos com os termos de sensação, emoção, humor, desejo e outros. Mas o que são exatamente essas ondas e como elas são geradas? Essa pode ser caracterizada com hidro-iônica e consiste em uma generalização baseada no fenômeno de ondas iônicas nos tecidos neurais, dando suporte à sentiência (capacidade de sentir). Isso se dá pois o hidrogênio e as diferentes configurações da água desempenham papel central na comunicação celular, especialmente na interação neuro-glial, onde estas ondas comportam complexas interações entre cátions biológicos (cálcio, sódio, potássio) formando dipolos funcionais. Dessa forma, sendo as principais fontes dessa onda hidro-iônica, as células da glia, como as micróglias e os astrócitos,  acabam desempenhando um papel importante  no processamento da sentiência. Essas células gliais podem modular a atividade neuronal por meio da liberação de glutamato, d-serina, trifosfato de adenosina e outras moléculas sinalizadoras, contribuindo para sustentar, reforçar ou deprimir as membranas pré e pós-sinápticas. Também, as células da glia podem gerar um fenômeno chamado de "ondas de cálcio intercelulares" (principalmente advindo do retículo endoplasmático dos astrócitos) que se propagam  através das junções comunicantes pelas redes neuronais (facilitando a ocorrência de potenciais de ação) (Imagem ao lado) reforçando ou deprimindo sua atividade e o comportamento resultante, além de também se propagar pela própria rede glial, funcionando como um “Hub” que integra resultados de processamento distribuído de várias áreas do cérebro e suporta estados conscientes.Essa interação entre astrócitos e neuronios se dão  pela liberação de gliotransmissores no espaço extracelular, por meio de vesículas liberadas por meio de hemicanais, ou por meio de transportadores moleculares, modulando a atividade neuronal através do controle do fluxo de íons de cálcio, sódio, potássio e cloro que atravessam os canais iônicos dos neurônios, despolarizando as células e gerando os potenciais de ação (Imagem abaixo). Como podemos observar também na imagem abaixo, a criação dessas ondas de cálcio advindas do astrócito apenas é possível graças aos transmissores e moduladores liberados pelo neurônio ligam-se aos receptores metabotrópicos astrogliais, ativando as vias de transdução de sinais que levam à liberação de Ca2 + do retículo endoplasmático do astrócito, funcionando como um mecanismo de retroalimentação. A função dessas ondas iônicas de origem glial tem sido estudada, sugerindo que seus padrões dinâmicos compõem um substrato adequado para os sentimentos (desde sentimentos básicos como fome e sede, dor e prazer, até os mais complexos, como alegria e tristeza, amor e ódio). 




   Vimos até agora os possíveis mecanismos neurofisiológicos envolvidos com a consciência/sentiência, mas podemos modular o nosso estado de consciência no dia a dia?
O principal agente modulador de comportamentos negativos é a consciência de uma pessoa, uma consciência instintiva de que certos comportamentos são inúteis para os outros e, com o tempo, para si mesmo. Durante a primeira infância, juntamente com o ensino moral e a modelagem de outros humanos, deve-se desenvolver a consciência individual. Neuroquimicamente falando, a consciência pode ser vista como supressão glutamatérgica do excesso de impulsos dopaminérgicos/adrenérgicos, com mais estímulos alcançados pela obtenção de crenças (como insights religiosos através de um "poder superior", por exemplo) ou pela utilização de técnicas psicológicas como mindfulness. Dessa forma, esses mecanismos podem ser utilizados para modulação de tais comportamentos. No quesito obtenção de crenças, a expectativa é buscar o arrependimento de seus impulsos negativos, minimizando a acessibilidade de pistas ambientais e estando atento a possíveis recaídas. Já o mindfudness é o modo como um indivíduo pensa e como ele pode "configurar seus pensamentos"no intuito de enfrentar as mais diversas situações do cotidiano. a prática do Mindfulness leva a mudanças no autoprocessamento, por meio do desenvolvimento da autoconsciência (metaconsciência), autorregulação (modulação do comportamento) e autotranscendência (características pró-sociais). Essas mudanças refletem a modulação nas redes neurocognitivas relacionadas à intenção e motivação, regulação da atenção e emoção, extinção e reconsolidação, prosocialidade, desapego e descentralização. Dentre os vários estudos que  investigaram o efeito da prática de meditação mindfulness de longo prazo usando técnicas de fMRI  baseadas em morfometria, demonstraram mudanças estruturais no: hipocampo; ínsula anterior direita; córtex orbitofrontal; córtex cingulado anterior; pólo temporal esquerdo; giro frontal esquerdo; sulco frontal direito; corpo caloso e regiões do tronco cerebral - regiões envolvidas com a circuitaria de emoção. Como vimos, o estudo da consciência se torna difícil pela subjetividade, sendo necessário trabalhos futuros visando a implementação de técnicas como o EEG/NIRS para entender melhor como se comportam os padrões cerebrais relacionados aos padrões sentientes.


Desenho experimental
 
     Como vimos, técnicas como mindfulness e meditação possuem algum tipo de efeitos pró-cognitivos emocionais, podendo influenciar assim no âmbito da sentiencia, podendo alterar padrões neurofisiológicos ou de sistemas como cardíacos e respiratórios. Para realizar essa investigação seria interessante o uso da eletroencefalografia (EEG) (Imagem ao lado), visto que cada emoção possui uma assinatura eletroencefalográfica específica, variando o tempo, frequência e domínios de tempo-frequência mistos dependendo da emoção evocada no momento. Além disso,  efeitos pro cognitivos, como consolidação de memória, são associados a aumento do power de onda teta e acoplamento teta gama. Nesse contexto, o uso do espectroscopia funcional de infravermelho próximo (fNIRS) associado com EEG também pode auxiliar na análise espacial da resposta hemodinâmica cortical durante as demonstrações de cada emoção. Para isso, os indivíduos seriam alocados em 6 grupos principais distintos: G1 (nenhum tipo de intervenção), G2 (baixa frequência de meditação e mindfulness),  G3 (frequência moderada de meditação e mindfulness), G4 (alta frequência de meditação e mindfulness). Todos os grupos realizarão avaliação EEG/NIRS inicial (em um estado basal) e final (também em um estado basal), e os grupos com algum tipo de intervenção também será realizado o mesmo tipo de avaliação durante as sessões. Também é interessante realizar uma avaliação emocional subjetiva além de eletrocardiograma para observar os padrões cardíacos e também realizar avaliações respiratórias para assim  correlacionar com os dados eletroencefalográficos e hemodinâmicos (Imagem abaixo).
 


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Autor:

Rodrigo Oliveira

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