Memória e emoção: entendendo as bases fisiológicas e comportamentais da interação entre o sistema límbico e mnemônico.

01/12/2023 04:11:57 Author: Rodrigo Oliveira
 
     O objetivo da nossa memória não é transmitir as informações mais precisas ao longo do tempo, mas orientar e otimizar a tomada de decisão inteligente, mantendo apenas aquelas informações consideradas valiosas, ou seja, aquelas informações adquiridas durante um momento de atenção. No cérebro, a principal área envolvida nesse processo é o hipocampo, que é a região que mais concentra neurônios associados à consolidação e evocação das memórias. Os circuitos hipocampais vão se remodelando à medida que novos neurônios se integram, substituindo conexões anteriores. Entretanto, áreas relacionadas ao sistema límbico também podem atuar nesse processo potencializando ou não a consolidação e evocação de memórias de acordo com as emoções envolvidas.


  Sabe-se que acontecimentos com forte carga afetiva são bem mais consolidados e lembrados que acontecimentos com menor carga afetiva. Isso se dá pelo maior recrutamento de áreas cerebrais envolvidas e pela atividade endócrina que pode ser associada a memórias afetivas. Diferentes respostas emocionais geram diversas respostas neurofisiológicas que modulam diferentes áreas cerebrais responsáveis pela consolidação e evocação de memórias. Dentre as vantagens desse processo, está a potencialização da e consolidação de informações e aprendizagem a partir da associação emocional, como acontece no caso de níveis de alerta associado a ansiedade em humanos, por exemplo. Esse processo ocorre quando estímulos periféricos sensoriais relacionados a informações muito importantes com cunho emotivo a serem gravadas são detectados e processados inicialmente pelo córtex entorrinal, que enviará essa informação para a amígdala e hipocampo (Imagem ao lado). Na amígdala ocorre a análise de nível de alerta relacionada à emoção atribuída, já no hipocampo ocorre o processamento em termos de consolidação de memória de curta ou de longa duração associados àquela emoção. A amígdala utiliza para seu papel modulatório por meio de sinapses colinérgicas, dopaminérgicas e serotonérgicas para aumento dos níveis de alerta e percepção da ansiedade junto com córtex-frontal. O alerta e a ansiedade além de desencadear um aumento do tônus simpático e consequentemente uma resposta sistêmica fisiológica que favorecem o foco, aumentam a consolidação dessas memórias importantes a longo prazo no hipocampo. 

 
 Já em relação às desvantagens, sabe-se que esse mesmo mecanismo de potencialização na consolidação de uma memória com carga afetiva também pode funcionar para memórias explícitas ruins, como por exemplo memórias aversivas. Apesar desses tipos de memórias serem consideradas adaptativas, como por exemplo, um rato consolidar a memória aversiva de que um ambiente aberto possui mais predadores garantindo sua sobrevivência, algumas memórias aversivas podem desenvolver alguns tipos de transtornos como o transtorno de estresse pós-traumático em humanos. Para esse caso, quando a memória aversiva é evocada, a emoção de medo também será acionada na amígdala basolateral, desencadeando respostas simpáticas exacerbadas que estão relacionadas com o medo,  podendo causar  síndrome do pânico, ansiedade crônica, depressão, entre outros. Além disso, outra desvantagem está relacionada com a diminuição da consolidação da memória em respostas emocionais muito exacerbadas. Sabe-se que o aumento do estado de alerta e ansiedade apenas ajudam na potencialização da consolidação até certo ponto, a partir do momento que as respostas simpáticas forem constantes e muito altas, pode causar reações de estresse, o que pode dificultar o processo de consolidação no hipocampo, isso pode ser mostrado na curva de Yerkes-Dodson, como demonstrado na figura ao lado. Isso acontece quando não conseguimos fixar um conteúdo quando estamos sob carga de estresse emocional ocasionado pelo ritmo de estudo exaustivo para uma prova, por exemplo.


     Nesse contexto, também existem vários mecanismos celulares envolvidos nesses processos relacionados à memória e emoção. Sabemos que o processo de consolidação de uma memória está intimamente relacionado com a plasticidade neuronal e sináptica além do surgimento de novas conexões (imagem abaixo), na qual podem ser moduladas por fatores emocionais. Vários estudos demonstram ativação de células da glia, como por exemplo a micróglia e astrócito durante o estresse. Tais células quando ativadas são responsáveis pela liberação citocinas pró-inflamatórias, tais como interleucina-1 (IL-1), interleucina-6 (IL-6), interferons (IFNs) e o fator de necrose tumoral alfa (TNFa). Esses fatores pró-inflamatórios podem tornar o meio citotóxico contribuindo para o estresse oxidativo, trazendo prejuízo no processo de plasticidade neuronal e sináptica durante o processo de consolidação da memória. Em contrapartida, trabalhos realizados com métodos que induzem o aumento do autocontrole, o foco e atenção e consequentemente a melhora da memória, como é o caso da meditação, mostrou a redução a atividade do NF-κB que é um complexo proteico relacionado a atividade exacerbada microglial, além de também influenciar a atividade de outras células imunológicas periféricas como é o caso dos  leucócitos.


Técnicas de neuromodulação também têm se mostrado cada vez mais promissoras em relação à potencialização da memória a partir da diminuição da inflamação local ou controle de aspectos emocionais. A estimulação elétrica cerebral profunda, técnica invasiva de estimulação elétrica a partir de implante de micro eletrodos intracerebrais, pode diminuir e controlar a ativação microglial e astrocitária, além de promover a neurogênese e neuroplasticidade e estimular padrões eletrofisiológicos (Potencial de campo local) pró-cognitivos, como a memória e atenção. Já técnicas não invasivas como a estimulação magnética transcraniana (TMS) e Estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS) quando aplicadas no córtex pré-frontal mostrou melhora de sintomas de depressão apresentando mudanças na rede de controle cognitivo emocional, além de melhorar a memória de longo prazo em adultos mais velhos. Além disso, trabalhos demonstraram que indivíduos que tiveram a inibição da região do córtex pré-frontal através do TMS, importante área envolvida no processo de consolidação da memória de longo prazo, desenvolveram uma resposta psicofisiológica menor aos estímulos aversivos. Dessa forma, visto as vantagens de aplicabilidade das técnicas não invasivas, é importante que futuros trabalhos investiguem os efeitos desses métodos sobre a memória e o controle emocional no intuito de entender quais as possíveis alterações funcionais da atividade cerebral e celulares envolvidas nesse processo contribuindo para o surgimento de novas técnicas que tratam distúrbios emocionais e potencializam a memória.


Desenho experimental 

Como sabemos, é possível cada emoção possuir uma assinatura eletroencefalográfica (EEG) específica, variando o tempo, frequência e domínios de tempo-frequência mistos dependendo da emoção evocada no momento. Além disso, como já discutimos algumas áreas corticais específicas estão relacionadas com determinadas emoções. Alterações de EEG no córtex frontal esquerdo, por exemplo, pode ser considerado um biomarcador da expressão da raiva e estresse. Além disso, também sabe-se que bons desempenhos de memória e atenção possuem uma frequência alfa de EEG cerca de 1 Hz mais alta do que a de indivíduos com mau desempenho. Nesse contexto, o uso do EEG também pode auxiliar na análise espacial da resposta hemodinâmica cortical durante as demonstrações de cada emoção associado a parâmetros de memória e atenção. Sabendo disso, a partir dos métodos de aquisição de EEG podemos investigar o papel do TMS e tDCS sobre a influência das emoções na memória e atenção. Para TMS/tDCS parâmetros excitatórios no córtex pré-frontal, podemos avaliar uma possível potencialização da memória, já a utilização de parâmetros inibitórios poderá ser avaliado a extinção de memórias traumáticas. Em ambas avaliações será importante observar quais emoções podem predominar nesse processo. Para avaliação da potencialização da memória, serão utilizados os parâmetros excitatórios de TMS e tDCS, onde os indivíduos podem ser alocados em 4 grupos distintos: grupo 1 (avaliação da memória e atenção sem TMS), grupo 2 (avaliação da memória e atenção com TMS), grupo 3 (avaliação da memória e atenção sem tDCS) e grupo 4 (avaliação da memória e atenção com tDCS). Todos os grupos realizarão uma avaliação inicial e final da memória global, atenção e das emoções e eletroencefalográfica e apenas os Grupos 2 e 4 realizarão sessões de TMS e tDCS respectivamente, como mostrado na figura abaixo.


     Já para a avaliação da extinção de memórias aversivas ou traumáticas, serão utilizados os parâmetros inibitórios de TMS e tDCS também no córtex pré frontal, onde outros indivíduos poderão ser alocados também em outros 6 grupos distintos: grupo 5 (exposição aversiva sem TMS), grupo 6 (exposição aversiva com TMS), grupo 7 (sem exposição aversiva com TMS) grupo 8 (exposição aversiva sem tDCS), grupo 9 (exposição aversiva com tDCS), grupo 10 (sem exposição aversiva com tDCS). Todos os participantes de dos grupos 5, 6, 8 e 9  serão expostos a algum tipo de estímulos visuais e auditivos aversivos que possam desencadear algum tipo de resposta de medo quando for exposto novamente. Para esses grupos, será realizada inicialmente a exposição do estímulo aversivo,  seguido da utilização de sessões de TMS/tDCS dependendo do grupo, e depois a reexposição ao estímulo aversivo. O grupo 7 e 10 apenas realizarão sessões de TMS e tDCS sem exposição de estímulos aversivos. Todos os grupos realizarão uma avaliação inicial e final da memória aversiva ao medo e eletroencefalográfica e apenas os Grupos 6,7,9 e 10 realizarão sessões de TMS ou tDCS, como mostrado na figura abaixo.
 




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Autor:

Rodrigo Oliveira

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