As crenças são representações mentais que as pessoas possuem sobre o mundo e sobre si mesmas. Elas são influenciadas por diversas fontes, como a cultura, a religião, a educação, a experiência pessoal, entre outras. As crenças podem afetar não apenas a forma como as pessoas pensam, mas também a maneira como elas agem e reagem aos estímulos do ambiente. Uma das principais teorias neurofisiológicas que explica como as crenças afetam o comportamento humano está relacionado com a mielina, importante estrutura cerebral responsável pelo aumento da performance do transporte dos impulsos nervosos. Aqui vamos entender melhor essa relação.

     A crença pode afetar a percepção dos indivíduos de forma ampla social ou pessoal, levando a uma tendência a interpretar informações de forma tendenciosa. Esse efeito pode ser ampliado quando as pessoas são expostas a informações que confirmam suas crenças pré-existentes. A fé pode fornecer uma rede de apoio social e uma sensação de propósito e significado, no entanto, algumas pesquisas sugerem que a fé também pode ser uma fonte de dor e conflito em algumas situações, especialmente quando as crenças religiosas entram em conflito com a natureza traumática da experiência. Dessa forma, o comportamento humano é diretamente modulado pelas crenças contidas por aquele indivíduo. Uma das áreas cerebrais que têm sido amplamente estudadas em relação às crenças e à fé é o córtex pré-frontal, que está envolvido em diversas funções cognitivas complexas, como o planejamento, a tomada de decisão, o julgamento moral e a autorregulação emocional. O córtex pré-frontal ventromedial e o córtex cingulado anterior, por exemplo, estão associados a uma maior intensidade da experiência religiosa em indivíduos que foram submetidos a estímulos religiosos. O sistema límbico também tem sua importância no processo de estabelecimento de crenças. O sistema límbico (Imagem ao lado) é composto por várias áreas cerebrais, incluindo o hipocampo, a amígdala e o córtex cingulado anterior, e está envolvido na regulação emocional, na memória e na motivação. Dentro de todas essas áreas existe uma estrutura que possui uma função imprescindível nesse processo de "crer" em um ideal, a chamada mielina. A mielina (Imagem abaixo) é uma substância gordurosa que reveste os axônios dos neurônios e ajuda a aumentar a velocidade de transmissão dos impulsos nervosos. Acredita-se que as crenças são formadas através da repetição de padrões neurais no cérebro, que geram uma camada de mielina ao redor dos neurônios envolvidos. 

     Dessa forma, quanto mais forte uma crença, maior é a espessura da bainha de mielina que a envolve, o que torna mais rápida e eficiente a comunicação neural relacionada a essa crença. Isso foi o que mostrou um estudo em que participantes que apresentavam crenças religiosas mais fortes demonstraram uma maior espessura da bainha de mielina em áreas do cérebro relacionadas à tomada de decisões e à regulação emocional. Esses resultados sugerem que as crenças religiosas podem afetar a organização e a estrutura do cérebro, o que pode influenciar o comportamento das pessoas. Nesse contexto, outra atividade que ativa áreas similares cerebrais das crenças e fé que também apresentam alterações de mielina é a meditação mindfulness. Essa técnica é uma prática que envolve prestar atenção plena no momento presente, sem julgamento, o que pode levar mudanças no autoprocessamento, por meio do desenvolvimento da autoconsciência (metaconsciência), autorregulação (modulação do comportamento) e autotranscendência (características pró-sociais). Essas mudanças refletem a modulação nas redes neurocognitivas relacionadas à intenção e motivação, regulação da atenção e emoção, extinção e reconsolidação, prosocialidade, desapego e descentralização. 
Estudos sugerem que a prática dessas atividades mentais pode modificar a espessura da bainha de mielina em áreas específicas do cérebro, o que pode levar a mudanças positivas no comportamento e na saúde mental. Essas práticas podem alimentar suas crenças, podendo potencializar mais ainda a mielinização neuronal. Além disso, sabe-se que a fé e a crença podem ter um impacto significativo na forma como as pessoas processam e lidam com o estresse traumático. Alguns estudos sugerem que a prática religiosa e o senso de espiritualidade podem ajudar a regular as respostas emocionais e a diminuir a ansiedade associada a memórias traumáticas.
 
     Apesar do conhecimento da relação de crenças e mielina, trabalhos futuros são imprescindíveis para ampliar a literatura sobre o assunto. Por exemplo, sabe-se que a desmielinização cerebral pode afetar a atividade elétrica do cérebro e levar a padrões anormais no EEG, como ondas lentas e de baixa voltagem, assimetria elétrica cerebral e em casos mais graves padrões de descargas epileptiformes. Porém, não se sabe se existe algum tipo de padrão eletrofisiológico  específico relacionado ao aumento da mielinização associada à crença, por exemplo. O estudo desses aspectos podem proporcionar dados promissores sobre o desenvolvimento de crenças e sua importância para o processo cognitivo e biológico humano.
 



Referências:
 
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Autor:

Rodrigo Oliveira

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