Cérebro & Sociedade: Da infância a fase adulta, em que momento nosso cérebro esta realmente preparado para assumir responsabilidades diante do social?

01/12/2023 04:31:33 Author: César Noronha
Entendendo o cérebro do adolescente e buscando por estratégias o desenvolvimento da sociedade contornando o tema da maioridade penal



Amadurecimento do cérebro

        Iniciamos nossa vida com um cérebro incompleto. Ele amadurece e se aperfeiçoa ao longo do nosso crescimento. Esse crescimento é geneticamente pré-definido ao mesmo tempo em que depende da nossa interação com o ambiente. Podemos adquirir comportamentos ou deixar de tê-los dependendo dos estímulos que recebemos. Neste texto dividiremos as fases do desenvolvimento cerebral em: infância (até 11), adolescência (Aproximadamente dos 11 aos 13 anos) e fase adulta (Aproximadamente a partir dos 14 anos e em diante).

Infância (0 aos 11 anos)

         Na infância é quando o indivíduo inicia sinapses com mais facilidade. "Aos 12 meses o cérebro do bebê chega a possuir o dobro de sinapses do cérebro adulto - e para o mesmo número de neurônios" diz Suzana Herculano-Houze, autora do livro "O Cérebro em Transformação". Essa característica é chamada de exuberância sináptica e existe até o início da adolescência [1]. Devido a exuberância sináptica, durante a infância é a fase na qual aprendemos com mais facilidade, ao mesmo tempo em que temos uma grande dificuldade de estabilizar nossas emoções. A facilidade de aprendizado faz com que várias emoções diferentes sejam geradas com facilidade, podendo dificultar o processo de racionalização [1].

Adolescência (12 aos 13 anos)

         No início da adolescência é marcado por uma "poda neuronal". As sinapses criadas durante a infância são "selecionadas". As que não são muito utilizadas desaparecem enquanto as que são mais utilizadas se fortalecem através da mielinização. O adolescente tem uma menor capacidade de aprendizado, mas uma menor quantidade de emoções geradas [1-2]. A mielinização é o desenvolvimento da bainha de mielina, capas protetoras localizadas ao longo do axônio que permitem que o potencial de ação atravesse o axônio mais rápido (figura abaixo). Esse processo ocorre em ritmos distintos para regiões diferentes do nosso cérebro [3-4].

Neuroscience teenages
Neuroscience teenages

          O processo de mielinização cortical tem início na adolescência na região occipital. Ao longo do tempo esse processo passa para regiões mais frontais. Ou seja, ele ocorre de trás para frente. Neste processo  o córtex frontal apenas começa a mielinizar durante a adolescência, só ficando completo na vida adulta. O córtex frontal é o responsável pelo nosso processo de planejamento (córtex pré-frontal dorso-lateral), pensamento crítico e autocontrole (córtex órbito-frontal) [1-2].

      Porém as áreas relacionadas a sensação do prazer como o núcleo accumbens e área tegmentar ventral [3] estão bem desenvolvidas aos 12 ou 13 anos [4]. Enquanto as áreas responsáveis pelo autocontrole só ficam completas aos 23 ou 24 anos. O não desenvolvimento do córtex frontal bem faz com que o adolescente não entenda tão bem as consequências negativas de seus atos, mas entende bem quando falamos de recompensa devido as regiões responsáveis pelo prazer já estarem formadas.

         Durante a adolescência o núcleo acumbente também perde parte dos seus receptores de dopamina. Essa perda reduz o prazer ao realizar "atividades simples", dificultando que o adolescente se sinta satisfeito com o que o deixava feliz quando ele era criança. Um dos resultados é que o adolescente tende a buscar por experiências novas, que são um grande estímulo para a liberação de dopamina. A busca por novidade, somado a busca pelo que lhe é oferecido de prazeroso e uma deficiência no autocontrole e na capacidade de entender as consequências negativas dos seus atos geram um comportamento bastante volátil e potencialmente perigoso [1-2]. 

Fase adulta

        O que marca a fase adulta é a conclusão de todas as regiões do lobo frontal por volta dos 30 anos, enquanto áreas responsáveis pelo autocontrole só ficam completas aos 23 ou 24 anos. Essa fase marcada por uma maior estabilidade emocional e capacidade de raciocínio crítico [1].


Entendendo melhor o autocontrole 

         Um estudo realizado por Mischel e colaboradores submeteu crianças de 4 anos a um teste de autocontrole. Na frente das crianças foi colocado um marshmallow, e as crianças foram orientadas de que iriam receber um marshmallow a mais se esperassem 15 minutos sem comer o primeiro. Algumas crianças esperaram, e outras comeram antes dos 15 minutos. Alguns anos depois o grupo de pesquisa voltou a acompanhar estas crianças, que agora era adolescente. Segundo eles, as crianças que conseguiram ter autocontrole e não comeram o marshmallow nos 15 minutos se tornaram adolescentes mais competentes socialmente e mais capazes para atividades cognitivas, como por exemplo estudar por mais tempo e prestar mais atenção em sala de aula, e portanto alcançando maior desempenho escolar e lidando melhor com a frustração e o estresse [5 - 10].


Human Competence Metacognition
Human Competence Metacognition

           O mesmo grupo submetido ao estudo anterior foi analisado 4 décadas depois. Na idade adulta foi identificado que aqueles que apresentaram possuir um maior autocontrole obtiveram um maior sucesso profissional e formação. Enquanto o grupo que demonstrou menor autocontrole apresentou até um maior uso de drogas [6 -10]. Estudos replicaram o primeiro experimento identificaram que há uma correlação entre a capacidade de autocontrole e a certeza de que as crianças possuíam de que iriam receber a recompensa após o teste [7 -10]. Esses resultados sugerem Uma grande relação entre o autocontrole e o sucesso do indivíduo. Demonstrando que um autocontrole desenvolvido na infância pode ter consequências que chegam até na vida adulta.



Traços de psicopatia na adolescência

          Uma revisão sistemática realizada por Ardizzi e colaboradores identificou que vários estudos com métodos não convergentes sugerem que a psicopatia está relacionada a déficits no reconhecimento de emoções negativas [12]. Vasconcelos e colaboradores aplicaram testes de identificação de expressões faciais a dois grupos de adolescentes, um grupo com traços de psicopatia e um grupo saudável. foram apresentados diferentes expressões faciais para cada sujeito do teste durante intervalos de tempo de 200 ms, 500 ms e 1 s. Após visualizar a face o sujeito deveria identificar a expressão apresentada. Houve diferença significativa entre os dois grupos apenas para expressões apresentadas com o intervalo de tempo de 200 ms [11].

        Um outro estudo submeteu adultos e adolescente a uma tarefa de mímica de expressões faciais. Nesta tarefa cada sujeito era apresentado a imagens em sequência e deveriam identificar quais expressões a imagem estava demonstrado e então exibir uma expressão similar. Foi encontrado uma diferença significativa entre os adultos e as crianças no desempenho desta tarefa. Este resultado sugere que adolescentes tem uma menor capacidade de identificar expressões faciais do que adultos [13].

          Juntos, esses resultados apontam que durante a adolescência temos dificuldade de entender expressões faciais, o que pode levar adolescentes a situações em que não identificam uma expressão de raiva e não evitem perigo. Ao mesmo tempo a falta de capacidade para identificação de expressões faciais pode indicar um traço de psicopatia, e essa ausência é mais comum em adolescentes do que em adultos.

Influência da falta de perspectiva

        A impulsividade do cérebro do adolescente já é um fator conhecido na literatura e na sociedade. Outros estudos também demonstram que um lobo frontal com problemas geram mais agressividade por parte do indivíduo [14]. Por esses motivos alguns consideram que devido a volatilidade de emoções os adolescentes, eles não devem ser completamente culpabilizados por suas atitudes [8]. Ao mesmo tempo, Mike Miles explica que homicídios são mais influenciados por pobreza e falta de perspectiva do que a idade do autor do crime [9]. 
           


Conclusões

1. Adolescentes ainda não amadureceram o lóbulo frontal, responsável por julgar punições e controlar atitudes impulsivas. Mas já desenvolveram bem regiões responsáveis pelo processamento do prazer. O que os torna mais impulsivos e inconsequentes. Porém após a adolescência ocorre uma estabilização emocional.

2. O autocontrole é uma característica muito importante para o desenvolvimento e prevenção, e a infância é um período chave para o desenvolvimento desta característica.
 
3. Adolescentes tem uma maior dificuldade de entender as consequências dos seus atos. É necessário uma melhor abordagem para explicar tais consequências quando se trata de adolescentes do que adultos. Eles também tem mais facilidade para compreender quando uma recompensa for ofertada. Talvez esse caminho possa ser uma estratégia para melhor abordagem.

4. Adolescentes tem maior dificuldade de identificar expressões faciais de raiva e sofrimento, o que pode facilitar com que eles ignorem essas sensações em outras pessoas e gerem situações indesejadas e perigosas.

Acredito que a adolescência seja uma fase crucial do desenvolvimento humano, e que deve ser tratada diferente das outras fases. Na adolescência o indivíduo tem a maior facilidade realizar atos criminosos e se tornar alguém potencialmente perigoso. Vejo esse período como um momento chave para moldar o futuro do indivíduo e evitar sua entrada para o mundo do crime. Gostaria que o conhecimento compartilhado nesse Blog seja usado para a criação de estratégias mais eficientes de encorajamento para adolescentes se tornarem adultos que contribuem para a sociedade. 


Referências

 
[1] HERCULANO-HOUZEL, Suzana. Cérebro Em Transformação, O. Editora Objetiva, 2005.
[2] Nogueira, Salvador. As Idades do Cérebro. Revista Galileu, 2019.
[3] BLOOD, Anne J.; ZATORRE, Robert J. Intensely pleasurable responses to music correlate with activity in brain regions implicated in reward and emotion. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 98, n. 20, p. 11818-11823, 2001.
[4] CHAMBERS, R. Andrew; POTENZA, Marc N. Neurodevelopment, impulsivity, and adolescent gambling. Journal of Gambling Studies, v. 19, n. 1, p. 53-84, 2003.
[5] Mischel, Walter, Yuichi Shoda, and Monica I. Rodriguez. "Delay of gratification in children." Science 244, no. 4907 (1989): 933-938.
[6] Casey, B. J., Leah H. Somerville, Ian H. Gotlib, Ozlem Ayduk, Nicholas T. Franklin, Mary K. Askren, John Jonides et al. "Behavioral and neural correlates of delay of gratification 40 years later." Proceedings of the National Academy of Sciences 108, no. 36 (2011): 14998-15003.
[7] Kidd, Celeste, Holly Palmeri, and Richard N. Aslin. "Rational snacking: Young children’s decision-making on the marshmallow task is moderated by beliefs about environmental reliability." Cognition 126, no. 1 (2013): 109-114.
[8] Beckman, Mary. "Crime, culpability and the adolescent brain." Science 305, no. 5684 (2004): 596-599.
[9] Males, Mike. "Age, Poverty, Homicide, and Gun Homicide." SAGE Open 5, no. 1 (2015): 2158244015573359.
[10] Iamarino, Átila. "Maioridade Penal | Nerdologia." Vídeo do youtube, 2015.
[11] VASCONCELLOS, Silvio José Lemos et al. Psychopathic traits in adolescents and recognition of emotion in facial expressions. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 27, n. 4, p. 768-774, 2014.
[12] SALVADOR-SILVA, ROBERTA et al. Psicopatia e Reconhecimento de Expressões Faciais de Emoções: Uma Revisão Sistemática. Psicologia: Teoria e Pesquisa (UnB. Impresso), 2014.
[13] ARDIZZI, Martina et al. When age matters: differences in facial mimicry and autonomic responses to peers' emotions in teenagers and adults. PloS one, v. 9, n. 10, p. e110763, 2014.
[14] SÉGUIN, Jean R. The frontal lobe and aggression. European Journal of Developmental Psychology, v. 6, n. 1, p. 100-119, 2009.
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Autor:

César Noronha

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